As relações entre a arquitectura de Álvaro Siza e o Barroco estão presentes em vários autores que escreveram sobre Siza, além de permanecerem no modo como o próprio Siza, referindo-se ao Porto e a Nasoni em textos escritos, seus, anuncia o seu interesse e empenho em conhecer melhor a arquitectura e a cidade Barrocas.
Neste sentido, um estado da arte que se quer crítico, não pode deixar de escutar o autor na primeira pessoa, ou seja, ouvi-lo falar do Barroco e dos seus problemas:
− “O granito de «oiro velho» ou «azulado» não desaparece para que o crepúsculo se encha de outros brilhos. Não basta não demolir a torre dos Clérigos, não basta não demolir o Barredo. Não é necessário destruir para transformar.” (Siza, “Oito Pontos” in Textos 01, p. 20) – Siza refere-se ao Barroco nasoniano que se transfigura em algo seco e incorruptível quando encontra o granito do norte e do Porto;
− “As minhas obras inacabadas, interrompidas, alteradas, nada têm a ver com a estética do inacabado, ou a crença na obra aberta. Têm a ver com a enervante impossibilidade de acabar, com os impedimentos que não consigo ultrapassar.” (Siza, “Oito Pontos” in Textos 01, p. 29) – Siza refere-se aqui ao problema do elogio do inacabado (Agustina) a que o Barroco nem sempre consegue escapar (Obra do Fidalgo em Vila Boa de Quires, Marco de Canavezes);
− “Esta ordem simples é depois e constantemente desmontada: escada escultural, abertura triangular sobre o pátio, assimetria própria da rampa, luz, torções de parede.” (Siza, “Oito Pontos” in Textos 01, p. 41) – Siza refere-se à desmontagem que observa na villa Savoye e ao desdobramento barroco da ordem, sempre e de certo modo, uma ordem questionável e questionada;
− “Atravesso a ponte. Levanta-se do rio uma humidade densíssima. A cidade faz-se véu cinzento, como numa aguarela de António Cruz. Irrompe a torre dos Clérigos, contra a penumbra quase iluminada do céu, poalha doirada. E os grilos. E o quadrado do amado palácio de Nasoni, branco, como um buraco ao contrário, ou talvez o cubo do teatro São João (nada do anel exagerado dos prédios de rendimento, para lá do Marquês, ou dos que invadem os sítios tranquilos).” (Siza, “Oito Pontos” in Textos 01, p. 203) – Siza refere-se, aqui, à brancura e à abstracção do palácio do Bispo (Nasoni no centro histórico do Porto) e, particularmente, à “poalha doirada” − a escolha das palavras é dele – que dá pano de fundo à granítica torre dos Clérigos (Nasoni extramuros).
De entre todos os que escreveram sobre Siza e o Barroco, merecem referência, no âmbito de uma leitura crítica da temática escolhida: José Quintão, Peter Testa e Teresa Fonseca.
− José Quintão aflora o problema em “Una perfetta maniera” embora, cremos, mais para sublinhar o maneirismo que o “barroquismo” do autor. Apesar disto, no momento de apreciação da escada torsa do pavilhão Carlos Ramos, Quintão admite o seguinte: “a escada de Siza aumenta de largura, no sentido de quem sobe, subtil, mas inequivocamente. O efeito perspéctico, de raiz maneirista e assumida pelo barroco, é o da diminuição vertical do percurso ascendente.” (Quintão, 2008, p. 17)
− Peter Testa, a partir do MIT, publica o seu trabalho académico intitulado “A Arquitectura de Álvaro Siza” (Testa, 1988) – uma “tese” significativamente traduzida por José Quintão – na qual o tema que se pretende investigar é por ele proposto e ensaiado, com grande fecundidade, a propósito da génese morfológica da Casa Carlos Siza (1976-78): “em obras como os projectos de Borromini para o Palazzo Carpegna encontramos o desenvolvimento de uma forma que combina as relações topológicas com a geometrização dos eixos. Conquanto não haja, na casa de Siza, aparentes relações tipológicas com os palácios do Barroco Romano, há soluções que podem ter sido derivadas dessas experiências. O pátio exíguo, alargado visualmente pela distorção perspéctica em direcção ao jardim, pode ter precedentes no Palazzo Spada, em Roma. De facto, podemos estabelecer relações múltiplas com a arquitectura Romana Barroca, por toda a casa, tais como o carácter enfaticamente maciço, proporções tensas, sucessão espacial e alinhamentos visuais cruzados.” (Testa, 1988, p. 23) “Não se pretende sugerir que esta casa seja uma construção do Barroco Romano, mas que o arquitecto encontrou no Barroco Romano a combinação de dois sistemas que este tinha anteriormente desenvolvido, independentemente.” (Testa, 1988, p. 21)
− Em “a Construção da Nova Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto”, Teresa Fonseca ensaia uma explicação nasoniana para a obra de Siza: “o pavilhão Carlos Ramos, no extremo norte da propriedade, adossado ao muro existente, ficou, além desse limite e em definitivo, um ponto de apoio para a geometria das futuras construções que teriam lugar extramuros. Posição e forma seguem a estratégia de Nasoni na Igreja dos Clérigos – o italiano não trocou a penumbra dos espaços de culto por miradouros e Siza criou intimidade e espaços de meditação sob copas de árvores frondosas – abriu, selectivamente, vãos.” (Fonseca in Siza, 2003, p. 44)
Muitos foram os que, escrevendo sobre o significado e a importância da obra de Siza, afloraram as grandes questões colocadas pelo Barroco enquanto ideia válida hoje, mesmo que sem o referir directamente. Ana Tostões, Jorge Figueira, Nuno Grande – por exemplo − fizeram-no, escrevendo e enquanto curadores de importantes exposições sobre Siza e a Arquitectura Portuguesa. Os dados do jogo estão assim lançados, cremos.
Trata-se de prosseguir um caminho anunciado – Siza e o Barroco – um percurso natural para quem é da cidade Barroca que foi e é o “Porto de Nasoni”. Este é o caminho da investigação que nos propormos trilhar.